Casa de Recuperação e Benefícios Bezerra de Menezes

Museu Roustaing

A verdade, para triunfar e ser aceita, tem primeiro que se chocar com as contradições dos homens. — Roustaing

5. ROUSTAING, DISCÍPULO
DE ALLAN KARDEC

Em janeiro de 1858, algum tipo de enfermidade afasta Roustaing da vida militante na advocacia. Seus relatos indicam que o período mais intenso desse mal, por nós desconhecido, mas apontado por feliz intuição do nosso saudoso Indalício Mendes como estafa providencial, se estendeu até janeiro de 1861, quando chegou a julgar-se completamente restabelecido (QE, I, 58), mas em vão. Contrariamente às suas expectativas, a situação se estendeu ao longo do tempo...

Neste período de convalescença, porém, um fato extraordinário muda a vida de nosso historiado: “Um distinto médico daquela cidade [Bordeaux] me falou da possibilidade das comunicações do mundo corpóreo com o mundo espiritual, da doutrina e da ciência espíritas” (QE, I, 58). Supõe-se que esse médico seja o seu clínico particular, o Dr. Lablay, grande amigo. Outra possibilidade é que o Dr. Alphonse Bouché Vitray, distinto médico e bom amigo de Roustaing, o tenha alertado quanto às comunicações entre os dois mundos.

Corria o ano de 1860... Sua primeira reação foi de incredulidade, registrada por ele mesmo, mas “bem sabia que uma impressão não é uma opinião e não pode servir de base a julgamento; que, para isso, é necessário, antes de tudo, que nos coloquemos em situação de falar com pleno conhecimento de causa” (QE, I, 58).

O Apóstolo de Bordeaux não se permitia ordenar silêncio à razão (QE, I, 58); nem se satisfazia com a superficialidade do sobrenatural ou do milagre (QE, I, 59). Então, só lhe restava uma solução, a única que não afrontava a sua consciência: “Com a minha vida inteira irresistivelmente presa à pesquisa da verdade, na ordem física, moral e intelectual, deliberei informar-me cientificamente, primeiro pelo estudo e pelo exame, depois pela observação e pela experimentação, do que haveria de possível, de verdadeiro ou de falso nessa comunicação do mundo espiritual com o mundo corpóreo, nessa doutrina e ciência espíritas”. (QE, I, 59).

Roustaing começa então sua viagem pelo imenso campo da Doutrina espírita precisamente por onde deve iniciar quem pretende percorrer a longa estrada, sem desvios e atalhos: “Li O Livro dos espíritos. Nas páginas desse volume encontrei: uma moral pura, uma doutrina racional, de harmonia com o espírito e progresso dos tempos” (QE, I, 59). Leu em seguida O livro dos médiuns, então recém anunciado por Kardec nas páginas da Revista espírita: “nele se me deparou uma explicação racional: da possibilidade das comunicações do mundo corpóreo com o mundo espiritual” e “das vias e meios próprios para essas comunicações”. (QE, I, 59)

Concluído o estudo inicial das obras principais até então existentes de Allan Kardec, era necessário buscar complementos. Sentar junto de quem já havia percorrido mais o longo caminho do espiritismo. Recorre, então, ao seu colega da Corte de Lyon, o ilustre advogado Jacques André Pezzani, que “com ele penetrou na babel da ortodoxia cristã e perlustrou a história das suas heresias; que lhe mostrou o que era Docetismo, levando-o a percorrer-lhe a trajetória com o auxílio das obras de Santo Inácio, de Polycarpo, de S. Irineu, de Eusébio (História Eclesiástica), de Teodoreto, de Clemente de Alexandria, de Beaussobre (História do Maniqueísmo), de Bergier, de Feller, de Floquet, de Matter” (QE, I, 1942, 104).

Estes estudos foram devidamente reconhecidos por Kardec, que vê em seu discípulo de Bordeaux um iniciado recente, porém aplicado: “estudou, séria e profundamente, o que lhe permitiu apanhar, com rapidez, todas as consequências dessa grave questão do Espiritismo, não se detendo, em sentido oposto a muita gente, na superfície” (RE, 1861, junho, p. 258).

Agora eram necessárias a observação e a experimentação, como a fase complementar da ciência espírita. Inteligente e inspirado, Roustaing escreve a Kardec, que recomenda ao discípulo integrar-se ao Grupo do Sr. Sabô. O Almanach spirite de 1865 (pp. 67-8) informa que o Sr. Émile A. Sabò foi o primeiro espírita de Bordeaux a confessar suas íntimas convicções, em 1860. Ele era chefe da contabilidade da Companhia Ferroviária do Sul (RE, 1862, março, p. 125). Sua residência, nesta época, estava localizada na Rue Barennes, 13. No prefácio de Os quatro Evangelhos há um pouco da história desta fase de trabalhos espíritas de Roustaing com os confrades de sua cidade: “Entreguei-me, auxiliado por eles, diariamente, a trabalhos de experimentação e de observação, com o espírito disciplinado pelo estudo das ciências puras e aplicadas” (QE, I, 62).

Esse período foi decisivo para a consolidação de sua fé racional e sua convicta e pública adesão ao espiritismo: “Depois de ter visto e ouvido, minha fé se firmou de modo inabalável” (QE, I, 63). Kardec louva publicamente, nas páginas da Revista espírita, os resultados desses esforços: “o Sr Roustaing passou a mestre em assunto de apreciação. [...] Devemos felicitar o Sr. Roustaing”. (RE, junho, 1861, pp. 258-60).

Veja também:

CHAMAMENTO ESPIRITUAL DE ROUSTAING

Voltar para ROUSTAING: CARREIRA PROFISSIONAL E CASAMENTO