Casa de Recuperação e Benefícios Bezerra de Menezes

O Espírita diante da Crise

Espíritas, amai-vos, eis o primeiro ensinamento. Instruí-vos, eis o segundo. — O Espírito da Verdade

DISCURSO III - VIAGEM ESPÍRITA 1862

Quando se considera o estado atual da sociedade, é-se tentado a olhar sua transformação como um milagre. Pois muito bem! Esse é o milagre que o Espiritismo deve e pode realizar, pois que está nos desígnios de Deus, e isto com o auxílio de uma divisa: Fora da caridade não há salvação. Tome a sociedade humana essa máxima por emblema, conforme a ela sua conduta, substituindo-a por esta outra, que está na ordem do dia: A caridade bem ordenada é a parte dos outros para nós, e tudo se modificará. Toda a questão será fazer esse lema aceito.

A palavra caridade, vós o sabeis, senhores, tem uma acepção muito extensa. Há caridade em pensamentos, em palavras, em atos. Ela não é tão somente a esmola. O homem é caridoso em pensamentos sendo indulgente para com as faltas do próximo. a caridade em forma de palavra nada diz que possa prejudicar a outrem. A caridade em ações assiste ao próximo na medida de suas forças. O pobre que partilha seu pedaço de pão com o companheiro mais carecente do que ele é mais caridoso e tem mais mérito aos olhos de Deus do que o rico que dá do seu supérfluo sem de nada se privar. Quem alimenta contra seu próximo sentimentos de ira, de animosidade, de ciúme, de rancor, falta com a caridade. A caridade é a antítese do egoísmo. Este é a exaltação da personalidade, aquela a sublimação da personalidade. Ela diz: Para vós em primeiro lugar, para mim depois. E o egoísmo diz: Para mim antes e para vós se sobrar. A primeira está toda inteira nesta frase de Cristo: “Fazei aos outros o que quiserdes que vos façam”. Em uma palavra, ela se aplica a todas as relações pessoais. Admiti: se todos os membros de uma sociedade agissem de conformidade com esse princípio, haveria menos decepções na vida. Uma vez que dois indivíduos estão reunidos, contratam, por força disso mesmo, deveres recíprocos. Se desejam viver em paz, estão obrigados a se fazerem concessões recíprocas. Esses deveres aumentam com o número dos indivíduos; as aglomerações constituem-se em todos-coletivos que têm também suas obrigações respectivas. Tendes, pois, além das relações de indivíduo a indivíduo, as relações de cidades para com cidades, de estados para com estados, de países para com países. Essas relações podem ter duas motivações que são a negação uma da outra; o egoísmo e a caridade, pois que há também egoísmo nacional. O egoísmo faz com que o interesse pessoal prevaleça acima de tudo. Cada pessoa arrebata o que pode para si, o semelhante é visto apenas como um antagonista, um rival que pode se intrometer em nosso caminho, que podemos explorar ou que pode nos explorar. A vitória pertencerá ao mais sagaz e a sociedade – coisa triste de dizer – consagra comumente essa vitória, o que faz com que ela se divida em duas áreas principais: os explorados e os exploradores. Disso resulta um antagonismo perpétuo, que faz da vida um tormento, um verdadeiro inferno. Substitua-se o egoísmo pela caridade e tudo será diferente. Ninguém procurará fazer mal ao seu vizinho, as iras e os ciúmes se extinguirão à falta do que os alimente e os homens viverão em paz entreajudando-se ao invés de mutuamente se despedaçando. Se a caridade substituir o egoísmo, todas as instituições sociais passarão a ter por alicerce o princípio da solidariedade e da reciprocidade. O forte protegerá o fraco ao invés de explorá-lo.

Muitas pessoas poderão dizer: Eis um belo sonho! Infelizmente é apenas um sonho. O homem é egoísta por natureza, por necessidade, e para sempre será assim. Mas se tal proposição é verdadeira – o que seria realmente muito triste! –, é de se perguntar com que finalidade o Cristo veio até nós, pregando a caridade aos homens. Com igual resultado teria pregado aos animais. Todavia examinemos a questão.

Há progresso do selvagem ao homem civilizado? Não se procura, diariamente, melhorar os costumes dos selvagens? Mas com que finalidade, se o homem é incorrigível? Estranha bizarria! Estais certos de educar os selvagens e acreditais que o homem civilizado não pode melhorar. Se o homem civilizado tivesse a pretensão de ter atingido o último limite do progresso acessível à espécie humana, bastaria comparar os costumes, caráter, a legislação, as instituições sociais de hoje com as de outrora. E, entretanto, os homens de outrora, também eles, supunham ter alcançado o último degrau. O que teria respondido um grã senhor ao tempo de Luís XIV se lhe tivessem dito que poderia dispor de uma ordem social melhor, mais justa, mais humana do que a vigente então; se lhe afirmassem que o regime mais eqüitativo se caracterizaria pela abolição dos privilégios de classe e a igualdade do grande e do pequeno diante da Lei? O audacioso que isso proclamasse, certamente bem caro pagaria a sua temeridade.

Disso concluímos que o homem é eminentemente perfectível e que os mais adiantados hoje parecerão atrasados dentro de alguns séculos. Negar esse fato será negar o progresso, que é uma lei da natureza.

Embora o homem tenha progredido do ponto de vista moral, é preciso, entretanto, convir que esse progresso se realizou, mais acentuadamente, no sentido intelectual. Por que motivo? Eis aqui um outro problema que foi dado ao Espiritismo explicar, mostrando que a moral e a inteligência são dois caminhos que raramente seguem juntos. Quando o homem dá alguns passos num deles, se retarda no outro. Todavia, mais tarde, torna a ganhar o terreno que havia perdido e as duas forças acabam por se equilibrar, através de sucessivas reencarnações. O homem chegou a uma fase em que as ciências, as artes e as indústrias atingiram um alcance até hoje desconhecido. Se a satisfação que delas tira satisfaz à vida material, deixa um vazio na alma: ele aspira qualquer coisa de superior, sonha com melhores instituições, deseja a vida, a felicidade, a igualdade, a justiça para todos. Mas como atingir tudo isso com os vícios da sociedade e, sobretudo, com o egoísmo imperando? O homem sente, pois, a necessidade do bem para ser feliz, compreende que só o reino do bem pode lhe dar a felicidade pela qual aspira. Esse reinado ele o pressente pois, instintivamente, crê na justiça de Deus e uma voz secreta lhe diz que uma nova era vai se iniciar.

Como ocorrerá isso? Ora, se o reino do bem é incompatível com o egoísmo, é preciso que o egoísmo seja destruído. Mas o que pode destruí-lo? A predominância do sentimento do amor, que leva os homens a se tratarem como irmãos e não como inimigos. A caridade é a base, a pedra angular de todo o edifício social. Sem ela o homem construirá sobre a areia. Assim sendo, urge que os esforços e, sobretudo, os exemplos de todos os homens de bem a difundam; e que eles não se desencorajem ao defrontarem as recrudescências das más paixões. Elas são os inimigos do bem. Ganhando terreno, lançam-se contra ele; mas está nos desígnios de Deus que, por seus próprios excessos, elas se destruam. O paroxismo de um mal é sempre o sinal de que chega ao seu fim.

Acabo de afirmar que sem a caridade o homem constrói sobre a areia. Um exemplo torna isso compreensível.

Alguns homens bem intencionados, tocados pelos sofrimentos de uma parte de seus semelhantes, supuseram encontrar o remédio para o mal em certas doutrinas de reforma social. Com pequenas diferenças, os princípios são pouco mais ou menos os mesmos em todas essas concepções, qualquer seja o nome que se lhes dê. Vida comunitária, por ser a menos onerosa; comunidade de bens para que todos tenham a sua parte; nada de riquezas, mas também nada de miséria. Tudo isso é muito sedutor para aquele que, não tendo nada, vê antecipadamente a bolsa do rico passar ao fundo comunal, sem cogitar que a totalidade das riquezas, postas em comum, criaria uma miséria geral ao invés de uma miséria parcial; que a igualdade, estabelecida hoje, seria rompida amanhã pela mobilidade da população e a diferença entre aptidões; que a igualdade permanente de bens supõe a igualdade de capacidades e de trabalho. Mas esta não é a questão. Não está em minhas intenções examinar o lado positivo e o negativo desses sistemas. Faço abstração das impossibilidades que acabo de citar e proponho olhá-los de um outro ponto de vista que, parece-me, ainda não preocupou a ninguém e que se relaciona à nossa área de cogitações.

Os autores, fundadores ou promotores de todos esses sistemas, sem exceção, não visaram senão a organização da vida material de uma maneira proveitosa a todos. A finalidade é louvável, indiscutivelmente. Resta saber se nesse edifício não falta a base que, só ela, poderia consolidá-lo, admitindo-se que fosse praticável.

A comunidade é a abnegação mais completa da personalidade. Ela requer o devotamento mais absoluto, pois cada pessoa deve pagar de sua pessoa. Ora, o móvel da abnegação e do devotamento é a caridade, isto é, o amor ao próximo. Entretanto é preciso reconhecer que a base da caridade é a crença: que a falta de crença conduz ao materialismo e o materialismo ao egoísmo. Um sistema que, por sua natureza, requer para sua estabilidade virtudes morais no mais supremo grau, haveria que ter seu ponto de partida no elemento espiritual. Pois muito bem, ele não o leva absolutamente em conta, já que o lado material é a sua finalidade exclusiva. Muitas dessas concepções são fundamentadas em uma doutrina materialista confessada em alto e bom som, ou sobre um panteísmo que não passa de uma espécie de materialismo disfarçado. Isso quer dizer que são enfeitadas com o nome da fraternidade, mas a fraternidade, assim como a caridade, não se impõe nem se decreta, é algo que existe no coração e não será um sistema que a fará nascer, se ela aí já não se encontra alojada. Ao mesmo tempo em que isto ocorre, o defeito antagônico à fraternidade arruinará o sistema e o fará cair na anarquia, já que cada pessoa quererá tirar para si a melhor parte. A experiência aí está, diante de nossos olhos, para provar que eles não extinguem nem as ambições nem a cupidez. Antes de fazer a coisa para os homens, é preciso formar os homens para a coisa, como se formam obreiros, antes de lhes confiar um trabalho. Antes de construir, é preciso que nos certifiquemos da solidez dos materiais. Aqui os materiais sólidos são os homens de coração, de devotamento e abnegação. Sob o egoísmo, o amor e a fraternidade são, como já dissemos, palavras vazias. Assim sendo, de que maneira, sob o império do egoísmo, fundar um sistema que requeira a abnegação em um sentido tão amplo que tenha por princípio essencial a solidariedade de todos para cada um e de cada um para com todos? Alguns homens abandonaram o solo natal para ir fundar, à distância, colônias sob o regime da fraternidade. Quiseram fugir ao egoísmo que os esmagava, mas o egoísmo seguiu com eles e lá, onde se acham, encontram-se exploradores e explorados, pois que a caridade lhes falta. Acreditaram que bastasse conduzir o maior número de braços possível, sem imaginar que, ao mesmo tempo, levavam os vermes roedores da nova instituição, arruinada tão mais rapidamente porque não tinha em si nem força moral nem força material suficientes.

O que lhe faltava não eram braços numerosos, mas sólidos corações. Infelizmente muitos foram os que se lhes engajaram porque, não se tendo desincumbido a contento no que lhes fora confiado, acreditaram libertarem-se de obrigações pessoais. Viram apenas um ponto sedutor no horizonte, sem perceberem a espinhosa rota que para ele conduzia. Decepcionados em suas esperanças, reconhecendo que antes de gozar era preciso muito trabalhar, muito sacrificar, muito sofrer, tiveram por perspectiva o desencorajamento e o desespero. Sabeis o que sucedeu à maioria. Seu erro é terem querido construir um edifício começando pela cumeeira, antes de ter assentado sólidos fundamentos. Estudai a história e a causa da queda dos Estados mais florescentes e por toda parte encontrareis a mão do egoísmo, da cupidez, da ambição.

Sem a caridade, não há instituição humana estável. E não pode haver caridade nem fraternidade, na verdadeira acepção do termo, sem a crença. Aplicai-vos, pois, a desenvolver sentimentos que, em se afirmando, destruirão o egoísmo que vos destrói. Quando a caridade tiver penetrado as massas, quando se tiver transformado na fé, na religião da maioria, então vossas instituições se tornarão melhores pela força mesma das coisas. Os abusos, nascidos do personalismo exacerbado, desaparecerão. Ensinai, pois, a caridade e, sobretudo, pregai pelo exemplo: esta é a âncora da salvação da sociedade. Só ela pode realizar o reino do bem na Terra, pois o reino do bem é o reino de Deus. Sem ela, por mais que vierdes a fazer, não criareis senão utopias das quais não vos resultarão senão decepções. Se o Espiritismo é uma verdade, se ele deve regenerar o mundo, é porque tem por base a caridade. Ele não vem derrubar qualquer culto nem estabelecer um novo. Ele proclama e prova verdades comuns a todos, base de todas as religiões, sem se preocupar com particularidades. Não vem destruir senão uma coisa: o materialismo, que é a negação de toda religião! Não vem pôr abaixo senão um templo: o do orgulho e do egoísmo! Vem, entretanto, dar uma sanção prática a estas palavras de Cristo, que são toda a sua lei: Amai o vosso próximo como a vós mesmos. Não vos espanteis, pois, com o fato de ele ter por adversários os adoradores do bezerro de ouro, cujos altares veio lançar por terra. Há, naturalmente, contra ele, aqueles que julgam sua moral incômoda, aqueles que teriam, de boa vontade, pactuado com os Espíritos e suas manifestações, se os Espíritos condescendessem em diverti-los. Mas, pelo contrário, o Espiritismo veio rebaixar-lhes o orgulho, pregar-lhes a abnegação, o desinteresse, a humildade. Deixai-os, pois, dizer e fazer o que quiserem. Com isso não se modificará a marcha dos desígnios de Deus.

O Espiritismo, por sua poderosa revelação, vem, pois, acelerar a reforma social. Seus adversários, sem dúvida, rir-se-ão dessa pretensão e, todavia, ela nada tem de presunçosa. Demonstramos que a incredulidade, a simples dúvida em relação ao futuro, leva o homem a se concentrar sobre a vida presente, o que, muito naturalmente, desenvolve o sentimento do egoísmo. O único remédio para o mal é concentrar a atenção sobre um outro ponto e desenraizá-lo, por assim dizer, a fim de que, dessa forma, todos os hábitos a ele inerentes sejam modificados. O Espiritismo, provando de maneira patente a existência de um mundo invisível, leva, forçosamente, a uma ordem de idéias bem diversa, pois que dilata o horizonte moral limitado à Terra. A importância da vida corporal diminui à medida que cresce a da vida espiritual. Colocamo-nos, naturalmente, em um outro ponto de vista e o que nos parecia uma montanha não se nos afigura maior do que um grão de areia. As vaidades, as ambições, aqui na Terra, tornam-se puerilidades, brinquedos infantis em presença do futuro grandioso que nos espera. Atendo-nos menos às coisas terrestres, tendemos, igualmente, a nos satisfazer menos às expensas dos outros, de onde uma diminuição no sentimento do egoísmo.

O Espiritismo não se limita a provar o mundo invisível. Pelos exemplos que faz se desenrolarem aos nossos olhos, ele no-lo revela em sua realidade e não como a imaginação o havia feito conceber. Ele no-lo mostra povoado de seres felizes ou infelizes, porém prova que a caridade, a soberana lei do Cristo, pode aí assegurar a paz e a alegria. Por outro lado assistimos ao espetáculo da sociedade terrena que se auto-estraçalha sob o império do egoísmo e que, entretanto, viveria feliz e pacífica sob o da caridade. Com a caridade tudo é, pois, benefício para o homem! Felicidade neste mundo e no outro! Não se trata mais, conforme a expressão de um materialista, do sacrifício de pessoas logradas, mas segundo a expressão do Cristo, do investimento de dinheiro que vai ser centuplicado. Com o Espiritismo o homem compreende que tem tudo a ganhar realizando o bem e tudo a perder optando pelo mal. Ora, entre a certeza (eu não direi a oportunidade!) de perder ou de ganhar, a escolha não pode ser duvidosa. Por esse motivo a propagação da idéia espírita tende, necessariamente, a tornar os homens melhores em suas mútuas relações. O que ele faz hoje, relativamente aos indivíduos, fará amanhã, em relação às massas, quando estiver difundido de maneira geral. Tratemos, pois, de torná-lo conhecido, em proveito de todos.

Prevejo uma objeção que pode ser levantada, isto é, a de que, de acordo com essas idéias, a prática do bem seria um cálculo interessado. A isso respondo dizendo que a Igreja, prometendo as alegrias do céu ou ameaçando com as chamas do inferno, conduz, ela própria, os homens, ou pela esperança ou pelo terror. O próprio Cristo ensinou que o que se dá neste mundo renderá, depois, centuplicado. Sem dúvida haverá maior mérito em fazer-se o bem espontaneamente, sem pensar em suas conseqüências, mas acontece que todos os homens não chegaram a esse estágio e vale mais praticar o bem com um estímulo do que não praticá-lo.

Ouve-se por vezes falar de pessoas que fazem o bem sem premeditação e, por assim dizer, por um impulso que lhes é próprio. Delas diz-se que não têm mérito, pois nessa realização não empenham nenhum esforço pessoal. É um erro! O homem não chega a nada sem esforço. Aquele que não precisou fazê-lo nesta existência, deve ter lutado em uma precedente e o bem acabou por se identificar com ele. Eis por que tudo parece tão natural. O bem está nele como estão, em outras pessoas, idéias que, também elas, tiveram sua fonte em um trabalho anterior. Este é ainda um dos problemas que o Espiritismo vem resolver. Os homens de bem têm, pois, também eles, o mérito da luta. Para eles a vitória já está alcançada. Os outros têm ainda que lutar para obtê-la. Eis por que, como as crianças, carecem de um estímulo, isto é, de um objetivo a ser atingido, ou, se o quiserdes, de um prêmio a ser arrebatado.

Uma outra objeção mais séria é esta: Se o Espiritismo produz todos esses resultados, os espíritas devem ser os primeiros a deles se aproveitarem. A abnegação, o devotamento desinteressado, a indulgência para com o próximo, a abstenção absoluta de toda palavra ou de todo ato que possam ferir os outros, em uma palavra, a caridade em sua mais pura acepção, devem ser a regra invariável de sua conduta. Não devem conhecer nem o orgulho, nem o ciúme, nem a inveja, nem o rancor, nem as tolas vaidades, nem as pueris suscetibilidades do amor-próprio. Devem praticar o bem pelo bem, com modéstia e sem ostentação, praticando esta máxima do Cristo: “Que vossa mão esquerda não saiba o que dá a vossa mão direita”. Agindo desse modo, ninguém merecerá que se lhe aplique estes versos de Racine: “Um benefício lançado em rosto vale sempre por uma ofensa”. Enfim, a mais perfeita harmonia deve reinar entre eles. Por que, então, citam-se exemplos que parecem contradizer a eficácia dessas belas máximas?

No início das manifestações espíritas, muitos as aceitaram sem prever suas conseqüências. A maioria olhou-as como curiosas concepções, mas quando delas resultou uma moral severa, deveres rigorosos a serem executados, não faltou quem se sentisse sem forças para praticá-las e a elas se conformar. Faltou-lhes coragem, devotamento, abnegação. Nessas pessoas a natureza corporal prevaleceu sobre a espiritual. Creram, mas recuaram em face da realização. Havia, pois, na origem, apenas espíritas, isto é, crentes; a filosofia e a moral abriram a essa ciência um horizonte novo e criou os espíritas praticantes. Os primeiros se atrasaram na retaguarda, os segundos arremeteram-se para a frente.

Quanto mais a moral se sublimou, mais ela fez contrastar imperfeições daqueles que se negaram a segui-la, assim como uma intensa luz faz ressaltar as sombras. Era como um espelho: alguns não quiseram nele se olhar ou, crendo nele se reconhecerem, preferiram apedrejar aqueles que lho mostravam. Tal é, ainda hoje, a causa de certas animosidades. Todavia posso, por felicidade, dizer: estas são exceções, algumas pequenas sombras sobre o vasto panorama, e que não lhe podem alterar a luminosidade. Neste grupo encontram-se, em grande parte, os que poderíamos chamar espíritas da primeira formação. Quanto àqueles que se formaram depois e se formam a cada dia, em grande maioria aceitaram a doutrina precisamente por causa de sua moral e de sua filosofia. Eis por que esforçam-se em praticá-la. Pretender que deveriam todos se terem tornado perfeitos é desconhecer a natureza da humanidade. Mas terem-se despojado de resquícios do homem velho é sempre um progresso que, por força, se deve levar em conta. São indesculpáveis aos olhos de Deus apenas aqueles que, estando devidamente esclarecidos, não tiraram desse esclarecimento o proveito que poderiam tirar. A estes, certamente, será pedida uma conta severa, da qual sofrerão, conforme temos visto em numerosos exemplos, as conseqüências aqui na Terra. Mas ao lado destes há também o grande número no qual operou-se uma verdadeira metamorfose. Encontraram na crença espírita a força para vencer pendores desde há muito tempo enraizados, de romper com velhas atitudes, de ignorar os ressentimentos e as inimizades, de tornar menores as distâncias sociais. Exigem-se do Espiritismo milagres: eis os que ele pode produzir.

Assim, pela força mesma das coisas, o Espiritismo levará, por inevitável conseqüência, ao aprimoramento moral. Esse aprimoramento conduzirá à prática da caridade, e da caridade nascerá o sentimento da fraternidade. Quando os homens estiverem imbuídos dessas idéias, conformarão a elas suas instituições e será assim que realizarão, naturalmente e sem agitações, as reformas desejáveis. Essa será a base sobre a qual assentar-se-á o edifício social do futuro.

Essa transformação é inevitável, pois que está compreendida na lei do progresso. Todavia, se se deixar levar apenas pela marcha natural das coisas, sua realização poderá ser por muito tempo adiada. Se acreditarmos na revelação dos Espíritos, está nos desígnios de Deus ativá-la e nós vivemos exatamente o tempo predito para isso. A concordância das comunicações a esse respeito é um fato digno de nota. Em toda parte diz-se que nos aproximamos da era nova e que notáveis realizações irão se efetivar. Seria, entretanto, um erro supor que o mundo está ameaçado por um cataclismo material. Examinando as palavras do Cristo, torna-se evidente que nesta, como em outras muitas circunstâncias, Ele falou de maneira alegórica. A renovação da humanidade, o reino do bem sucedendo ao reino do mal, são notáveis fatos que podem ter realização sem que haja necessidade de um naufrágio universal, da eclosão de fenômenos extraordinários, ou da derrogação das leis naturais. E é sempre nesse sentido que os Espíritos se têm exprimido.

Tendo a Terra alcançado o tempo marcado para se transformar em feliz morada, elevando-se assim na hierarquia dos mundos, basta a Deus não permitir aos Espíritos imperfeitos aqui se reencarnarem, dela afastando aqueles que, por orgulho, incredulidade, maus instintos, se possam tornar em um obstáculo ao progresso, perturbando a boa harmonia, como, aliás, procedeis vós mesmos, em uma assembléia em que necessitais ter paz e tranqüilidade e da qual afastais aqueles que a ela possam trazer a desordem, ou como se expulsam de um país os malfeitores, que são exilados em países longínquos. Isso porque nas raças, ou melhor – para nos servirmos das palavras do Cristo – nas gerações de Espíritos enviados em expiação à Terra, aqueles que se mantiverem incorrigíveis serão substituídos por uma geração de Espíritos mais adiantados e, para isso, bastará uma geração de homens e a vontade de Deus que pode, através de acontecimentos inesperados, embora naturais, apressar-lhes a partida da Terra. Se, pois, a maior parte das crianças que hoje nascem pertencem à nova geração de Espíritos melhores, se os demais, que partem a cada dia, não mais regressarão, disso resultará uma renovação completa. E o que será feito dos Espíritos exilados? Serão encaminhados para mundos inferiores, onde expiarão duras asperezas em longos séculos de provas difíceis, pois que também eles são anjos rebeldes que desprezaram o poder de Deus e se revoltaram contra a lei que Cristo veio lhes recordar.

Como quer que seja, nada se faz bruscamente na natureza. A velha levedura deixará ainda, durante algum tempo, traços que só de pouco em pouco se apagarão. Quando os Espíritos nos dizem – e isso eles o fazem por toda parte – que nos abeiramos desse momento, não creiais que seremos testemunhas de uma transformação exposta à vista. Querem demonstrar-nos que estamos no momento da transição, assistimos à partida dos velhos e à chegada dos novos, que virão fundar uma nova ordem de coisas, isto é, o reino da justiça e da caridade que é o verdadeiro reino de Deus, predito pelos profetas e do qual o Espiritismo vem preparar os caminhos.

Vede, senhores, estamos já bem distantes das mesas girantes e, entretanto, apenas alguns anos nos separam do berço do Espiritismo! Quem quer que tivesse sido bastante audacioso para predizer o que hoje se passa seria levado à conta de insensato aos olhos dos seus próprios correligionários. Observando a pequenina semente, quem poderia compreender, se dantes não tivesse assistido ao fenômeno, que dali sairia a árvore poderosa? Vendo a criança nascida no estábulo de uma pobre aldeia na Judéia, quem poderia supor que, sem o fausto e o poder material, sua voz singela abalaria o mundo, reforçada apenas por alguns pescadores ignorantes e tão pobres quanto ela mesma? Outro tanto ocorre com o Espiritismo que, saindo de um humilde e vulgar fenômeno, já aprofundou suas raízes em todas as direções, e cuja ramalhada bem cedo abrigará a Terra inteira. As coisas progridem celeremente quando Deus assim o quer. E considerando que nada ocorre fora de Sua vontade, quem não veria aí o dedo de Deus?

Assistindo à marcha irresistível das coisas, poderíeis dizer como outrora os Cruzados marchando para a conquista da Terra Santa: Deus o quer!, mas com a diferença que eles marchavam levando nas mãos ferro e fogo, enquanto que vós apenas tendes por arma a caridade que, ao invés de ocasionar ferimentos morais, derrama um bálsamo salutar sobre os corações doloridos. E, com essa arma pacífica, que cintila aos olhos como um raio divino e não como o metal assassino, que semeia a esperança e não o temor, tereis, dentro de alguns anos, levado ao aprisco da fé mais ovelhas desgarradas do que o teriam podido fazer séculos de violência e de prepotência. É com a caridade por guia que o Espiritismo caminha para a conquista do mundo.

Será fantasioso e quimérico o quadro que esbocei diante de vós? Não! A razão, a lógica, a experiência, tudo diz que essa é uma realidade.

Espíritas, sois os pioneiros dessa grande obra. Tornai-vos dignos da gloriosa missão, cujos primeiros frutos já recolheis. Pregai por palavras, mas, sobretudo, pregai por exemplos. Comportai-vos de modo a que, em vos vendo, não possam dizer que as máximas que ensinais são palavras vãs em vossos lábios. A exemplo dos apóstolos, fazei milagres, pois para isso Deus concedeu-vos o dom! Não milagres que chocam os sentidos, porém milagres de caridade e de amor. Sede bons para com vossos irmãos, sede bons para com o mundo inteiro, sede bons para com vossos inimigos! A exemplo dos apóstolos, expulsai os demônios. Para isso tendes o poder, e eles pululam em torno de vós, os demônios do orgulho, da ambição, da inveja, do ciúme, da cupidez, da sensualidade, que alimentam todas as más paixões e semeiam por entre vós os pomos da discórdia. Expulsai-os de vossos corações, a fim de que tenhais a força necessária para expulsá-los dos corações alheios. Fazei esses milagres e Deus vos abençoará, as gerações futuras vos abençoarão como as de agora abençoam os primeiros cristãos, dentre os quais, muitos revivem entre vós para assistir e concorrer para o coroamento da obra do Cristo. Fazei esses milagres e vossos nomes serão inscritos gloriosamente nos anais do Espiritismo. Não empanai esse clarão por sentimentos e atos indignos do verdadeiro espírita, do espírita cristão. Libertai-vos, o quanto antes possível, de tudo quanto possa ainda restar em vós do velho levedo. Observai que de um momento para o outro, amanhã talvez, o anjo da morte pode vir bater à vossa porta e dizer: Deus vos chama para prestardes conta do que fizestes de sua palavra, da palavra de Seu Filho, que Ele fez repetir pelos bons Espíritos. Estai, pois, sempre prontos a partir e não façais como o viajor imprudente que é surpreendido desprevenido. Fazei vossas provisões com antecipação, provisões de boas obras e de bons sentimentos, pois infeliz é aquele que o momento fatal surpreende com a ira, a inveja ou o ciúme no coração. Terão por escolta os maus Espíritos, jubilosos das desgraças que o esperam, uma vez que essas desgraças serão a sua obra. E vós sabeis, espíritas, quais são essas desgraças: os que as sofrem chegam até nós, eles próprios, para descrever seus sofrimentos. Àqueles, pelo contrário, que se apresentarem puros, os bons Espíritos virão estender a mão, dizendo-lhes: Irmãos, sede bem-vindos às celestes moradas onde vos esperam cantos de alegra.

Vossos adversários rir-se-ão de vossa crença nos Espíritos e em suas manifestações, mas não poderão rir das virtudes que resultam dessa crença. Não se rirão quando virem os inimigos perdoar-se ao invés de ferir-se, a paz renascer entre aqueles que se dividiram pela dissensão, o incrédulo de ontem concentrado hoje em prece fervorosa, o homem violento e colérico transformado em ser doce e pacífico, o debochado transfigurado no homem cumpridor de seus deveres e perfeito pai de família, o orgulhoso que se tornou humilde, o egoísta oferecendo provas do mais alto espírito de caridade. Não rirão quando constatarem que já não têm a temer a vingança de seus inimigos, transformados em espíritas. O rico não se rirá quando verificar que o pobre não inveja sua fortuna e o pobre, ao invés de alimentar sentimentos de ciúmes, abençoará o rico que se fez humano e generoso. Os chefes não rirão de seus subordinados e não os molestarão quando constatarem que se fizeram escrupulosos e conscienciosos na realização de seus deveres. Finalmente os patrões encorajarão seus servidores e subalternos quando os virem, sob o império da fé espírita, mais fiéis, mais devotados e mais sinceros. Eles verificarão que o Espiritismo é bom para tudo e para todos e não apenas para salvaguardar-lhes os interesses materiais. E tanto pior será para aqueles que não quiserem ver um pouco mais além. Sob o império dessa mesma fé, o militar será mais disciplinado, mais humano, mais fácil de ser conduzido. Terá sentimentos e obedecerá não pelo temor, mas pela razão. É o que constatam os dirigentes imbuídos desses princípios e eles são numerosos. E, por tal motivo, sinceramente desejam que nenhum entrave se oponha à propagação das idéias espíritas entre aqueles que se encontram sob sua direção.

Eis, senhores, que rides, o que produz o Espiritismo, essa utopia do século dezenove, parcialmente ainda, é verdade, mas cuja influência já se reconhece e cuja propagação em breve se compreenderá ser do maior benefício, em favor de todos. Sua influência é uma garantia de segurança para as relações sociais, pois que constitui o mais poderoso freio às más paixões, às efervescências desordenadas, mostrando o laço de amor e de fraternidade que deve unir o grande ao pequeno e o pequeno ao grande. Fazei, pois, que por vosso exemplo logo se possa dizer: Praza a Deus que todos os homens sejam espíritas de coração!

Caros irmãos espíritas, venho vos indicar o caminho, fazer-vos ver o objetivo. Possam minhas palavras, em sua impotência, ter-vos feito compreender a sua grandeza! Todavia outros virão, depois de mim, que vo-la mostrarão também, e cuja voz, mais poderosa do que a minha, terá para as nações o brilho vivaz da trombeta. Sim, meus irmãos, Espíritos mensageiros de Deus, encarregados de estabelecer o Seu reino na Terra, logo surgirão entre vós e os reconhecereis por sua sabedoria e a autoridade de sua linguagem. À sua voz, os incrédulos e os ímpios se encherão de espanto e de estupor e curvarão a cabeça, pois não ousarão chamá-los loucos. Eu não poderia, irmãos, revelar-vos tudo quanto vos prepara o futuro. Mas o tempo está próximo em que todos os mistérios serão revelados, para a confusão dos mentirosos e a glorificação dos bons.

Enquanto a oportunidade se apresenta, revesti-vos do manto branco, abafai as discórdias, pois que as discórdias pertencem ao reino do mal que vai ter fim. Seja-vos possível fundir-vos em uma única e mesma família e dar-vos mutuamente, do fundo do coração e sem pensamento premeditado, o nome de irmãos. Se entre vós há dissidências, causas de antagonismos, se os grupos que devem todos marchar para um objetivo comum estiverem divididos, eu o lamento, sem me preocupar com as causas, sem examinar quem cometeu os primeiros erros, e me coloco, sem hesitar, do lado daquele que tiver mais caridade, isto é, mais abnegação e verdadeira humildade, pois aquele a quem falta a caridade está sempre errado, assistido embora por qualquer espécie de razão, pois Deus maldiz quem diz a seu irmão: racca.

Os grupos são indivíduos coletivos que devem viver em paz como os indivíduos, se realmente são espíritas. Eles são os batalhões da grande falange. Ora, o que será feito de uma falange cujos batalhões se dividirem? Aqueles que vêem o próximo com olhos ciumentos provam, só por isso, que estão sob uma má influência, pois que o Espírito do bem não pode produzir o mal. Vós o sabeis: a árvore reconhece-se pelos frutos. Ora, o fruto do orgulho, da inveja e do ciúme é um fruto envenenado que mata quem dele se nutre.

O que digo das dissidências entre grupos vale, igualmente, para as que possam haver entre os indivíduos. Em semelhante circunstância, a opinião das pessoas imparciais é sempre favorável àquele que dá provas de maior grandeza e de generosidade. Aqui na Terra, onde ninguém é infalível, a indulgência recíproca é uma conseqüência do princípio da caridade que nos leva a agir para com os outros como quereríamos que os outros agissem para conosco. Ora, sem indulgência não há caridade, sem caridade não há verdadeiro espírita. A moderação é um dos sinais característicos desse sentimento, como a acrimônia e o rancor são sinais da negação. Com acrimônia e espírito vingativo deterioram-se as mais dignas causas, mas com a moderação fortalecemo-las, se estamos de seu lado, ou delas passamos a participar, se não o fizemos ainda. Se, pois, eu tivesse de opinar em uma divergência, eu me preocuparia menos com as causas e mais com as conseqüências. As causas, em querelas ocasionadas sobretudo por palavras, podem ser o resultado de questões das quais nem sempre somos senhores; a conduta ulterior de dois adversários é o resultado da reflexão; eles agem de sangue frio e é então que o verdadeiro caráter de cada uma das partes se define. Uma cabeça ruim e um mau coração caminham muitas vezes juntos, porém rancor e bom coração são incompatíveis. Minha medida de apreciação seria, então, a caridade, isto é, eu observaria aquele que menos mal diz de seu adversário, aquele que é o mais moderado em suas recriminações. É segundo esta medida que Deus nos julgará, pois que Ele será indulgente para quem tiver sido indulgente e será inflexível para quem tiver sido inflexível.

A rota traçada pela caridade é clara, infalível e sem equívocos. Poderíamos defini-la assim: “Sentimento de benevolência, de justiça e de indulgência relativamente ao próximo, baseado no que quereríamos que o próximo nos fizesse”. Tomando-a por guia, podemos estar certos de não nos afastar do caminho reto que conduz a Deus. Quem deseja, de maneira sincera e séria, trabalhar por sua própria melhoria, deve analisar a caridade em seus mínimos detalhes e por ela conformar sua conduta, pois ela se aplica a todas as circunstâncias da vida, tanto às mais simples quanto às mais complexas. De cada vez que estivermos incertos quanto ao partido a tomar, no interesse alheio, basta que interroguemos a caridade e ela responderá, sempre, de maneira justa. Infelizmente escuta-se mais freqüentemente a voz do egoísmo.

Sondai, pois, os refolhos de vossa alma, para dela arrancardes os últimos vestígios das más paixões, se delas algo restar ainda. E se experimentais algum ressentimento contra alguém, cuidai de abafá-lo e dizei: “Irmão, esqueçamos o passado. Os maus Espíritos nos haviam separado, que os bons nos reúnam!” Se ele recusar a mão que lhe estendeis, oh!, então lamentai-o, pois Deus, por sua vez, lhe dirá: “Por que pedes perdão, tu que não perdoastes?”

Apressai-vos, pois, para que se não vos aplique esta frase fatal: É tarde demais! Tais são, queridos irmãos espíritas, os conselhos que tenho a vos dar. A confiança que vindes em mim depositar é uma garantia de que eles trarão bons frutos. Os bons Espíritos, que vos assistem, dizem-vos a cada dia a mesma coisa, porém julguei um dever apresentar-vos essas advertências em um conjunto, de modo a que suas conseqüências melhor se destaquem. Venho, pois, em nome deles, lembrar-vos a prática da grande lei do amor e da fraternidade que deverá, em breve, reger o mundo e nele fazer reinar a paz e a concórdia, sob o estandarte da caridade para com todos, sem exceções de seitas, de castas e nem de cores.

Com esse estandarte, o Espiritismo será o traço de união que reunirá os homens divididos pelas crenças e os prejuízos mundanos. Ele fará ruir a mais poderosa barreira que separa os povos: o antagonismo nacional. À sombra dessa bandeira, que será o seu ponto de reunião, os homens se habituarão a ver irmãos naqueles que viam como inimigos. Daqui até lá haverá muitas lutas, pois o mal não liberta facilmente sua presa e os interesses materiais são tenazes. Sem dúvida, não vereis com os olhos do corpo a realização dessa obra, para a qual concorreis, e isso embora esse momento não esteja remoto. Os anos iniciais do século próximo deverão prenunciar essa era nova que se prepara ao crepúsculo desta em que vivemos. Mas fruireis, com os olhos do Espírito, o bem que tiverdes feito, como os mártires do Cristianismo rejubilaram-se contemplando os frutos de seu sangue derramado. Coragem, pois, e perseverança. Não recueis ante os obstáculos. O campo não se torna fértil sem a dádiva do suor. Assim como o pai, mesmo no ocaso da vida, constrói o lar que irá abrigar seus filhos, crede que construís para as gerações futuras um templo à fraternidade universal e no qual as únicas vítimas imoladas serão o egoísmo, o orgulho e todas as más paixões que ensangüentaram a humanidade.